E DAÍ?
E daí
Não vou ser a primeira nem a ultima a falar desse momento histórico tão estranho e desgastante. Nem o que vou falar é uma novidade, mas e daí… Vou falar assim mesmo.
Bolsonaro foi eleito e tem tantos apoiadores porque ele é a encarnação do nosso descaso como seres humanos e como povo. Ele expõe claramente o que fazemos cotidianamente em pequenos e grandes atos.
Posso favorecer meus filhos em alguma coisa, correr para
pegar o brinde na festinha antes de todo mundo, roubar um brigadeiro da mesa
arrumada com carinho pelo dono da festa, conseguir uma vaga num timezinho de
clube pela amizade com a professora? E daí?
Se eu não fizer isso por ele, quem vai fazer?
Se a empregada que trabalha na minha casa há mil anos esta doente e faltou, vou pagar a diária dela por quê? Também tenho minhas dificuldades, ela tem que lidar com as dela. Não posso dar conta de todo mundo.
Se estou no metrô, cheguei primeiro, peguei um lugar sentada,
vou ceder meu lugar por quê? Só porque é mais velho? Mas esta super bem, nem
quer! Grávida? Gravidez não é doença, só quando interessa, não é mesmo?
Pra sambar no Carnaval, pode!
Caramba, tem pouco álcool gel no mercado! Vou comprar tudo e
estocar.
Farinha pouca, meu pirão primeiro.
Posso invadir terras de índios? Por que não? Eles nem sabem o que fazer, ficam lá, parados, só ocupando espaço, sem explorar a terra direito.
Eles moram na favela porque querem. Poderiam morar em um bairro melhor lá no fim do mundo e levar três horas para vir trabalhar. Mas não, escolhem se amontoar na favela. Fazer o quê. Não tenho como resolver o problema de todo mundo.
Bandido bom é bandido morto.
Meu direito de ir a praia se sobrepõe ao direito do outro de não ficar doente.
Meu direito de não usar máscara, porque acho chato, se sobrepõe ao do outro de não querer ficar doente e morrer.
Ficar em casa pra que? Não estou sentindo nada!
Meu direito de sacanear o outro em meu benefício é inalienável.
E assim vamos, colhendo morte, doença, desespero e atraso. Muito atraso. Atraso educacional, atraso social, que atrasa a economia e aquela parte tão sensível a todos nós: o dinheiro no bolso.
Tenho ouvido nos últimos tempos, com frequência, que “não sou santa”.
É a grande descoberta que fizeram sobre a minha pessoa.
Não sei por que acharam que eu tinha a pretensão ou o desejo de ser santa.
Só que procuro escutar tanto meus santos como meus demônios. Escuto até mais meus demônios, com muita atenção, por que eles não me enganam com palavras boazinhas sobre quem eu sou.
Esta difícil buscar uma saída, imaginar positivamente uma saída para esse país. Por que quem esta no poder, verdadeiramente, nos representa como um povo que olha para seus demônios e não vê nada de errado neles.
Acha que eles são os anjos.
E daí?
TEXTO de Claudia Marandino
ILUSTRAÇÃO de Claudia Marandino